Nas vastas planícies do agronegócio, nos aterros sanitários que circundam nossas metrópoles e nas estações de tratamento de esgoto, uma revolução energética silenciosa está em pleno andamento. O Brasil, um gigante pela própria natureza, está finalmente despertando para o imenso potencial do biogás e de seu derivado nobre, o biometano. Impulsionado por um novo marco regulatório, inovações tecnológicas e uma pressão global por descarbonização, o setor avança a passos largos, transformando o que era visto como resíduo e problema ambiental em uma fonte de energia limpa, renovável e estratégica para o futuro do país.
O momento não poderia ser mais oportuno. Enquanto o Brasil se prepara para sediar a COP30 em Belém, a vitrine mundial do clima, as soluções “verdes” ganham protagonismo. E aqui, o biometano surge como uma solução “plug-and-play” para a descarbonização, especialmente em setores de difícil abatimento de emissões, como o de transportes pesados e a indústria.
Se o biogás é a base da pirâmide, o biometano é seu ápice. Este gás, obtido a partir da purificação do biogás para remover o dióxido de carbono e outras impurezas, possui uma composição quase idêntica à do gás natural de origem fóssil. Isso o torna um substituto direto, ou “drop-in”, que pode ser injetado na rede de gasodutos existente e utilizado em indústrias e veículos pesados sem qualquer adaptação.
O potencial do biometano para a descarbonização é imenso, um fato reconhecido por órgãos como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA). Para o Brasil, que depende fortemente do transporte rodoviário movido a diesel, o biometano oferece um caminho viável e imediato para reduzir as emissões do setor de transportes.
Aqui, a atuação de empresas como a Gás Verde é emblemática. A companhia se especializou em capturar o biogás gerado pela decomposição de lixo em grandes aterros sanitários e purificá-lo para produzir biometano em escala industrial. Este “gás verde” é então vendido para indústrias que buscam substituir o gás natural fóssil e reduzir sua pegada de carbono. É um modelo de negócio que ataca diretamente um dos maiores problemas ambientais urbanos — os aterros — e o transforma em uma solução climática e energética.
O Empurrão Regulatório que o Mercado Esperava
O ponto de virada para o setor veio com a recente definição de novas regras e metas pelo governo federal para a inserção do biometano na matriz de gás. A partir de 2026, o Brasil terá objetivos claros para a utilização do chamado “gás renovável”, uma medida que traz a tão sonhada previsibilidade e segurança jurídica que os investidores aguardavam. Segundo a Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), o potencial de produção de biometano no Brasil é de 120 milhões de metros cúbicos por dia, o suficiente para suprir cerca de 70% do consumo nacional de diesel.
“Estávamos no compasso de espera por uma sinalização clara. Agora temos um norte”, afirma um executivo de uma grande empresa do setor sucroenergético que investe em novas plantas. “Com as metas estabelecidas, podemos destravar projetos que estavam na prateleira, acelerar a captação de recursos e, finalmente, colocar o biometano na rota do crescimento exponencial.”
Essa percepção é corroborada por projetos que já saem do papel. Em São Paulo, o primeiro gasoduto dedicado a escoar biometano produzido a partir de resíduos da cana-de-açúcar é um marco para a indústria. A iniciativa não só valoriza os subprodutos do setor, como a vinhaça e a torta de filtro, mas também cria um novo e lucrativo fluxo de receita, demonstrando na prática os preceitos da economia circular.
Inovação no Campo e na Cidade
A força motriz por trás dessa expansão é a tecnologia. Pesquisadores e empresas têm desenvolvido soluções inovadoras para otimizar a produção. Recentemente, um novo sistema que promete aumentar a eficiência da produção de biogás a partir de resíduos de frutas e hortaliças, desenvolvido pela Embrapa, exemplifica esse avanço. A tecnologia abre um novo leque de oportunidades para cooperativas agrícolas e centrais de abastecimento, que podem transformar seus resíduos orgânicos em energia elétrica, térmica e combustível.
O debate técnico e de negócios está mais aquecido do que nunca, como ficou evidente no 7º Fórum Sul Brasileiro de Biogás e Biometano, que reuniu mais de 700 especialistas e players do mercado em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, em abril deste ano. O evento, já consolidado como o principal palco de discussões do setor no país, deixou claro que o futuro do biogás está intrinsecamente ligado à resiliência climática e à economia de baixo carbono.
As discussões foram intensas e focadas em soluções práticas. Painéis sobre a recuperação de nutrientes, o refino do biogás para a produção de hidrogênio verde e outros produtos de alto valor agregado, e a criação de ativos ambientais e certificados verdes mostraram um setor que avança rapidamente para além da simples geração de energia. Um dos temas centrais foi a integração do biogás com outras fontes energéticas e as estratégias para a distribuição e interiorização do biometano, consolidando seu papel como substituto direto do gás natural fóssil e do diesel.
Mais do que um encontro técnico, o Fórum funcionou como uma grande plataforma de negócios, onde se conectaram produtores, investidores, cientistas e formuladores de políticas. Ali, ficou nítido o esforço coletivo para superar gargalos, desde o desempenho técnico de biodigestores até a agenda global do biogás, alinhando as práticas do Brasil com as tendências mundiais e preparando o terreno para acelerar, de vez, a implementação de novos projetos em todo o país. O evento serviu como um termômetro, e a temperatura do mercado de biogás é, sem dúvida, de forte alta.
Apesar do otimismo, os desafios persistem. Dados do Centro de Energias Renováveis (CIBiogás) mostram que o Brasil ainda aproveita uma fração mínima de seu potencial. A logística para o escoamento do biometano, a necessidade de expansão da malha de gasodutos e a criação de corredores verdes para abastecer frotas de caminhões e ônibus são barreiras que precisam ser transpostas. “Não adianta produzir se não conseguirmos fazer o gás chegar ao consumidor final a um preço competitivo”, pondera um analista de mercado.
Uma Agenda Estratégica para o Futuro
O avanço do biogás e do biometano é mais do que uma pauta energética; é uma agenda estratégica para o Brasil. Ela dialoga diretamente com a sustentabilidade do agronegócio, ao oferecer uma solução para os dejetos animais e resíduos de colheita. Contribui para a gestão de resíduos sólidos urbanos, um dos maiores desafios ambientais das nossas cidades. E, crucialmente, gera emprego e renda qualificada no interior do país, promovendo o desenvolvimento regional.
Ao transformar um passivo ambiental em um ativo energético valioso, o Brasil não só caminha para cumprir suas metas climáticas, mas também fortalece sua segurança energética com uma fonte despachável, renovável e produzida integralmente em território nacional.