Em dezembro de 2025, o Acordo de Paris completou uma década como o principal marco da governança climática global. Assinado por 195 países durante a COP21, o acordo estabeleceu o compromisso de limitar o aumento da temperatura média global a bem abaixo de 2 °C em relação aos níveis pré‑industriais, com esforços adicionais para conter o aquecimento a 1,5 °C. Dez anos depois, a pergunta que se impõe é direta e estratégica: quais são, na prática, os impactos dessas metas sobre o setor de energia e sobre as decisões de investimento?
A resposta passa por uma constatação incontornável. A política climática deixou de ser apenas uma agenda ambiental e tornou‑se um vetor central de transformação econômica, tecnológica e financeira. Energia, emissões e capital estão hoje profundamente interligados.
O Acordo de Paris e a centralidade do setor energético
Segundo dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o setor de energia responde por cerca de três quartos das emissões globais de gases de efeito estufa. Não por acaso, a descarbonização da matriz energética ocupa posição central nas Contribuições Nacionalmente Determinadas, as chamadas NDCs, apresentadas pelos países signatários do acordo.
Relatórios recentes do IPCC indicam que, para manter viva a meta de 1,5 °C, as emissões globais precisam cair cerca de 43% até 2030, em relação aos níveis de 2019, e alcançar neutralidade climática por volta de 2050. Essas projeções estão detalhadas no Sexto Relatório de Avaliação.
Para o setor de energia, isso significa uma reconfiguração estrutural. Fontes fósseis, especialmente carvão e petróleo, passam a enfrentar restrições regulatórias, riscos de ativos encalhados e pressão crescente de investidores e da sociedade. Em contrapartida, energias renováveis, eficiência energética, eletrificação e soluções de armazenamento ganham protagonismo.
Uma década de avanços e lacunas
Desde 2015, o avanço das energias renováveis foi expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia Renovável, a capacidade instalada global de fontes renováveis mais do que dobrou na última década, impulsionada principalmente pela energia solar e eólica. O custo da energia solar fotovoltaica caiu cerca de 85% desde 2010, conforme dados disponíveis na IRENA.
No entanto, o ritmo ainda é insuficiente. A Agência Internacional de Energia alerta, em seus cenários mais recentes, que os investimentos atuais não acompanham a velocidade necessária para cumprir as metas do Acordo de Paris. O relatório World Energy Outlook, da IEA, aponta que os investimentos anuais em energia limpa precisam mais do que dobrar até 2030 para que o mundo esteja alinhado ao cenário de emissões líquidas zero.
Essa lacuna entre ambição climática e execução prática tem implicações diretas para governos, empresas e investidores.
Impactos regulatórios e sinalização de mercado
As metas do Acordo de Paris funcionam como um poderoso sinalizador de longo prazo. Mesmo sem mecanismos punitivos diretos, o acordo influencia políticas públicas, marcos regulatórios e estratégias nacionais de energia.
Nos últimos anos, observou‑se a expansão de instrumentos como precificação de carbono, metas obrigatórias de energias renováveis, restrições a usinas a carvão e incentivos à eletrificação do transporte. Essas políticas alteram o perfil de risco dos investimentos energéticos e redefinem prioridades de capital.
Empresas do setor elétrico, óleo e gás, indústria pesada e infraestrutura passaram a incorporar cenários climáticos em seus planejamentos estratégicos. A análise de riscos físicos, como eventos climáticos extremos, e de riscos de transição, como mudanças regulatórias e tecnológicas, tornou‑se prática recorrente.
O capital em movimento
Do ponto de vista dos investimentos, o impacto do Acordo de Paris é profundo e crescente. Gestores de ativos, fundos soberanos e instituições financeiras passaram a integrar critérios climáticos e ESG em suas decisões. Iniciativas como a Net Zero Asset Owners Alliance e a Glasgow Financial Alliance for Net Zero refletem esse movimento global de alinhamento do capital às metas climáticas.
Segundo a BloombergNEF, os investimentos globais em energia limpa ultrapassaram a marca de US$ 1 trilhão em 2023, um recorde histórico. Ainda assim, especialistas alertam que o volume precisa crescer de forma sustentada e previsível para garantir a transformação estrutural do sistema energético.
Ao mesmo tempo, projetos intensivos em carbono enfrentam aumento do custo de capital, dificuldades de financiamento e maior escrutínio público. O risco de ativos encalhados deixou de ser um conceito teórico e passou a integrar análises financeiras concretas.
Países emergentes e o desafio da transição justa
Nos países emergentes, o impacto das metas do Acordo de Paris assume contornos ainda mais complexos. O desafio não é apenas reduzir emissões, mas fazê‑lo garantindo crescimento econômico, segurança energética e inclusão social.
No Brasil, por exemplo, a matriz elétrica majoritariamente renovável representa uma vantagem comparativa relevante. Ao mesmo tempo, a expansão da energia solar, eólica, do biogás e do biometano abre oportunidades de investimento alinhadas à agenda climática e ao desenvolvimento regional.
Estudos da Empresa de Pesquisa Energética mostram que a transição energética pode impulsionar a geração de empregos, a inovação tecnológica e a competitividade industrial.
Mitigação, adaptação e resiliência
Outro ponto central da última década foi a ampliação do debate sobre adaptação e resiliência. Eventos extremos, como ondas de calor, secas prolongadas e tempestades intensas, passaram a afetar diretamente a operação de sistemas energéticos.
Investimentos em redes mais resilientes, diversificação de fontes, armazenamento e digitalização tornam‑se estratégicos não apenas para reduzir emissões, mas para garantir continuidade do fornecimento e segurança energética.
A integração entre mitigação e adaptação reforça a ideia de que a transição energética não é um custo, mas um investimento em estabilidade econômica e social.
O que esperar da próxima década
Ao completar dez anos, o Acordo de Paris segue como referência incontornável, mas enfrenta um momento decisivo. Os próximos ciclos de revisão das NDCs e as decisões de investimento tomadas nesta década definirão se as metas climáticas permanecerão alcançáveis.
Para o setor de energia e para os investidores, a mensagem é clara. A transição energética deixou de ser uma aposta de futuro e passou a ser um critério de competitividade no presente. Ignorar esse movimento significa assumir riscos crescentes, enquanto antecipar‑se a ele representa capturar oportunidades estruturais de longo prazo.
Em última instância, o impacto do Acordo de Paris sobre energia e investimentos revela uma mudança de paradigma. O capital global começa a se reorganizar em torno de sistemas energéticos mais limpos, eficientes e resilientes. A velocidade dessa transformação determinará não apenas o sucesso das metas climáticas, mas a sustentabilidade econômica das próximas décadas.
O Plano Clima brasileiro e o alinhamento às metas globais
Nesse contexto global, o Brasil deu um passo relevante ao concluir e aprovar seu novo Plano Clima, formalmente aprovado em dezembro de 2025, documento estratégico que orienta a política climática nacional até 2035 e consolida os compromissos do país no âmbito do Acordo de Paris. O plano estabelece diretrizes para mitigação e adaptação às mudanças climáticas, com recorte setorial e foco especial em energia, uso da terra, indústria, transporte e cidades.
No eixo energético, o Plano Clima reforça o papel das fontes renováveis na expansão da matriz, a eletrificação de usos finais, o estímulo à eficiência energética e o desenvolvimento de tecnologias como hidrogênio de baixo carbono, biocombustíveis avançados, biogás e biometano. O documento também reconhece a necessidade de modernização da infraestrutura elétrica, com investimentos em redes, armazenamento e digitalização, como condição para sustentar a transição energética.
Do ponto de vista dos investimentos, o plano sinaliza maior previsibilidade regulatória e integração entre política climática, política energética e planejamento econômico. Ao alinhar metas nacionais às diretrizes do Acordo de Paris, o Brasil busca reduzir riscos, atrair capital de longo prazo e fortalecer sua posição como protagonista na agenda global de energia limpa.
A implementação efetiva do Plano Clima será determinante para transformar compromissos em resultados concretos. Mais do que um instrumento ambiental, trata-se de uma agenda estruturante de desenvolvimento, capaz de orientar decisões empresariais, destravar investimentos sustentáveis e ampliar a resiliência do país diante dos impactos crescentes das mudanças climáticas.






