Soluções estratégicas no combate às mudanças climáticas

Brasil e o mundo enfrentam impactos inéditos das mudanças climáticas; especialistas apontam soluções energéticas e estruturais

Com temperatura global média 1,55 °C acima dos níveis pré-industriais em 2024, governos aceleram transição energética e adaptação urbana para conter impactos ambientais e socioeconômicos

As mudanças climáticas entraram em um novo estágio de gravidade em 2024, quando o mundo ultrapassou pela primeira vez a marca de 1,5 °C acima da temperatura média da era pré-industrial. O dado foi confirmado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) em março deste ano e gerou uma série de alertas por parte da comunidade científica e de organismos multilaterais. O Brasil, país com alta vulnerabilidade climática e grandes reservas ambientais, figura entre as nações mais afetadas — e mais cobradas — na agenda de mitigação.

O ano de 2024 também registrou aumento recorde da temperatura dos oceanos e da frequência de eventos climáticos extremos. No Brasil, chuvas intensas e inundações no Rio Grande do Sul deixaram mais de 2 milhões de pessoas afetadas, configurando o maior desastre climático da história do estado. “É o tipo de tragédia que deixa de ser episódica e passa a integrar o cotidiano”, afirmou Sandra Amorim, climatologista da Universidade de São Paulo (USP).

Com o custo global de desastres climáticos ultrapassando US$ 143 bilhões, segundo estimativas do World Economic Forum, a discussão sobre a transição energética e soluções de resiliência urbana ganhou força. Países europeus, Estados Unidos e China aumentaram investimentos em energia renovável e tecnologias de adaptação, enquanto organizações como o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) reforçam que o tempo de reação está se esgotando.

Emissões, energia e metas descumpridas

De acordo com o Relatório de Lacuna de Emissões 2024, produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), os compromissos firmados por países até o momento são insuficientes para conter o aquecimento abaixo de 2 °C. A projeção mais otimista, considerando o cumprimento integral das metas de carbono neutro até 2050, ainda levaria a um aquecimento de 2,5 °C até o fim do século.

As emissões globais de gases de efeito estufa permaneceram em níveis elevados, com destaque para o CO₂, cuja concentração média na atmosfera chegou a 425 ppm (partes por milhão) em 2024. A principal fonte continua sendo a queima de combustíveis fósseis, responsável por cerca de 75% das emissões, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA).

Em resposta, diversos países reforçaram o compromisso com a transição energética. A China anunciou novos investimentos em hidrogênio verde e eólica offshore, enquanto os Estados Unidos lançaram incentivos fiscais para o biometano. No Brasil, o governo federal atualizou o Plano Nacional de Energia prevendo maior inserção do biogás na matriz energética e revisão de metas de reflorestamento.

O papel do Brasil e o desafio do agro

Com cerca de 83% da sua eletricidade já proveniente de fontes renováveis, o Brasil parte de uma posição relativamente avançada no debate climático, mas enfrenta obstáculos significativos no setor de uso da terra. O desmatamento na Amazônia caiu 22% em 2024, segundo o INPE, mas ainda persiste acima de 9 mil km² por ano.

A agropecuária, responsável por mais de 25% das emissões nacionais, também é foco de pressão internacional. A União Europeia condicionou acordos comerciais à rastreabilidade da carne e da soja produzidas sem destruição florestal. “A chave está em integrar conservação e produtividade, algo que a ciência brasileira já sabe fazer, mas que exige vontade política”, diz Eliana Silva Dias, pesquisadora da Embrapa.

Soluções estratégicas: biometano, cidades e economia circular

Entre as alternativas tecnológicas destacadas por especialistas está o biometano, gás renovável derivado do tratamento de resíduos orgânicos. No Brasil, estima-se que apenas 3% do potencial de produção esteja em uso. Segundo a Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), o país poderia substituir 70% do consumo de diesel com biometano se investisse em escala industrial.

Outra frente de ação são as cidades. A ONU-Habitat lançou um plano para fortalecer a resiliência urbana nos centros metropolitanos da América Latina, com foco em drenagem, habitação segura e ampliação de áreas verdes. O plano prevê R$ 12 bilhões em investimentos até 2030, com recursos do Banco Mundial e cooperação entre governos locais.

Economistas também apontam a economia circular como mecanismo de adaptação. Relatório da Fundação Ellen MacArthur estima que práticas circulares podem reduzir em até 45% as emissões industriais globais, além de gerar empregos e mitigar desigualdades, especialmente em países emergentes.

Quem mais emite gases de efeito estufa no mundo

País Participação nas emissões globais (2023) Principais fontes de emissão
China 30,9% Carvão, indústria pesada, transporte
Estados Unidos 13,5% Transporte, energia, agricultura
Índia 7,3% Energia a carvão, agropecuária
União Europeia 6,9% Transporte, indústria, energia
Rússia 4,7% Petróleo, gás natural, carvão
Brasil 2,8% Agropecuária, desmatamento, energia
Fonte: Climate Watch 2024 / World Resources Institute

Impactos sociais e vulnerabilidade

Os efeitos das mudanças climáticas recaem de forma desproporcional sobre populações vulneráveis. Em áreas urbanas periféricas, como as favelas do Rio de Janeiro, a sensação térmica pode ultrapassar 60 °C durante ondas de calor, segundo estudo do Observatório das Metrópoles. Isso ocorre devido à baixa arborização, alta densidade de concreto e acesso limitado a infraestrutura de refrigeração.

Nas regiões rurais, a escassez hídrica afeta diretamente agricultores familiares, responsáveis por 70% dos alimentos consumidos no Brasil. A Fundação Getulio Vargas estima que, sem medidas de adaptação, o PIB agrícola poderá sofrer queda de 15% até 2035.

Especialistas alertam que a mudança climática é também uma questão de justiça social. “O clima não é neutro. Ele agrava desigualdades, enfraquece direitos e intensifica fluxos migratórios”, afirma João Meirelles Filho, diretor do Instituto Peabiru.

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O que esperar de 2025 em diante

A Conferência do Clima da ONU (COP30), prevista para acontecer em Belém do Pará em 2025, é considerada um ponto decisivo para a reformulação dos compromissos internacionais. A expectativa é de que países revejam suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) com metas mais ambiciosas e entregáveis antes de 2030.

A sociedade civil, por sua vez, pressiona por mais transparência e ações vinculantes. Organizações ambientalistas e movimentos indígenas se articulam para apresentar propostas durante a conferência. “Não queremos só promessas. Queremos mecanismos claros de responsabilidade”, diz a líder indígena Tuíra Kayapó.

Com as previsões indicando continuidade no aumento das temperaturas, especialistas são unânimes em afirmar: a década atual será determinante para definir os contornos da sobrevivência no século XXI.