Relatórios do IPCC e da IRENA revelam uma verdade inconveniente: a janela para evitar os piores impactos climáticos está se fechando. A resposta, unânime entre cientistas e economistas, reside na descarbonização total do setor que mais emite gases de efeito estufa: o de energia.
A ciência nunca foi tão categórica. O mais recente relatório de síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no início de 2025, serve como um alerta final e contundente: as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) precisam atingir seu pico antes do final deste ano e ser reduzidas em pelo menos 43% até 2030 para que o mundo tenha alguma chance de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Ultrapassar esse limiar, alertam os cientistas, desencadearia uma cascata de pontos de inflexão climática irreversíveis, com consequências catastróficas para ecossistemas e sociedades humanas.
No centro desta crise está uma relação de causa e efeito brutalmente simples: a nossa dependência histórica de combustíveis fósseis. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), o setor de energia — que engloba a geração de eletricidade, transportes e aquecimento — continua a ser o principal responsável pela crise climática, respondendo por mais de 75% de todas as emissões de GEE globais. A queima de carvão, petróleo e gás natural libera anualmente bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera, espessando a camada que retém o calor do sol e superaquecendo o planeta.
Diante deste cenário, a transição para a energia limpa deixou de ser uma alternativa “verde” ou uma questão de responsabilidade social corporativa. Ela se tornou a principal, e talvez única, estratégia viável para a sobrevivência econômica e social no século XXI.
O Diagnóstico: Um Planeta em Alerta Vermelho
Os dados de 2025 pintam um quadro preocupante. A concentração de CO₂ na atmosfera já ultrapassou 425 partes por milhão (ppm), um nível nunca antes visto na história da humanidade. O resultado direto são os eventos climáticos extremos que se tornaram a nova normalidade: ondas de calor recordes na Europa, incêndios florestais incontroláveis no Canadá, secas severas na Amazônia e inundações devastadoras na Ásia.
O relatório do IPCC é claro ao afirmar que cada fração de grau de aquecimento importa. Com o aquecimento atual, já em torno de 1,2°C, os impactos são severos. Atingir 2°C significaria, por exemplo, a perda de mais de 99% dos recifes de coral, um risco significativamente maior de insegurança alimentar global e a exposição de centenas de milhões de pessoas a eventos climáticos letais.
A Solução: A Ascensão Inevitável das Renováveis
Se o diagnóstico é sombrio, a solução é clara e cada vez mais viável economicamente. A Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) em seu mais recente relatório, “World Energy Transitions Outlook 2025”, fornece um roteiro detalhado. Para cumprir a meta de 1,5°C, a capacidade global de energia renovável precisa triplicar até 2030, atingindo mais de 11.000 Gigawatts (GW).
Esta meta ambiciosa é impulsionada por uma revolução econômica. Os custos da energia limpa despencaram na última década, tornando-a a fonte de eletricidade mais barata na maior parte do mundo.
- Energia Solar Fotovoltaica: O custo da energia solar caiu mais de 90% desde 2010. Em 2025, novos projetos solares em larga escala estão sendo contratados a preços inferiores a US$ 20 por Megawatt-hora (MWh) em locais como o Chile e os Emirados Árabes Unidos, um valor muito abaixo do custo de operação de usinas a carvão ou gás.
- Energia Eólica: Com uma redução de custo de mais de 70% no mesmo período, a energia eólica, tanto em terra (onshore) quanto no mar (offshore), tornou-se a espinha dorsal da transição energética em países como a China, os Estados Unidos e nações da União Europeia.
- Bioenergia e Biogás: Fontes como o biogás, gerado a partir de resíduos do agronegócio, ganham destaque por sua capacidade de “descarbonizar” setores difíceis e por seu modelo de economia circular. Ao capturar o metano (CH₄) — um GEE 28 vezes mais potente que o CO₂ — que seria liberado pela decomposição de dejetos, o biogás oferece um benefício climático duplo.
Segundo a IRENA, os investimentos globais em tecnologias de transição energética atingiram um recorde de US$ 2 trilhões em 2024, superando pela primeira vez os investimentos em combustíveis fósseis. No entanto, a agência alerta que esse valor precisa dobrar para mais de US$ 4 trilhões anuais até 2030 para que a transição ocorra na velocidade necessária.
O Desafio da Implementação: Além dos Megawatts
A transição energética, contudo, não é apenas sobre instalar mais painéis solares e turbinas eólicas. Ela exige uma reestruturação completa do sistema energético global. Os desafios incluem:
- Modernização das Redes Elétricas: As redes precisam se tornar mais inteligentes e flexíveis para gerenciar a variabilidade de fontes como a solar e a eólica.
- Armazenamento de Energia: Investimentos massivos em baterias e outras tecnologias de armazenamento são cruciais para garantir energia quando o sol não brilha ou o vento não sopra.
- Descarbonização de Setores Difíceis: A indústria pesada (aço, cimento), a aviação e o transporte marítimo exigem soluções inovadoras, como o Hidrogênio Verde, para zerar suas emissões.
- Transição Justa: É fundamental garantir que as comunidades que hoje dependem da economia dos combustíveis fósseis não sejam deixadas para trás, oferecendo requalificação profissional e novas oportunidades econômicas.
O veredito da ciência e da economia é um só: o caminho para a estabilidade climática e a prosperidade econômica passa, inevitavelmente, pela energia limpa. A década de 2020 será lembrada como o período em que a humanidade enfrentou sua escolha mais crítica: continuar no caminho insustentável das emissões de gases de efeito estufa ou abraçar a transição energética como a maior oportunidade de inovação e desenvolvimento do século. A janela de tempo para fazer essa escolha está se fechando rapidamente.