Brasil precisará investir US$ 6 trilhões até 2050 para alcançar emissões líquidas zero

Brasil precisará investir US$ 6 trilhões até 2050 para alcançar emissões líquidas zero

O Brasil, dono de uma das matrizes energéticas mais limpas do G20, precisará investir aproximadamente US$ 6 trilhões — cerca de R$ 33,6 trilhões — até 2050 para zerar suas emissões líquidas de carbono. A estimativa consta do mais recente relatório New Energy Outlook da BloombergNEF, divulgado em fevereiro de 2025. O estudo revela um retrato detalhado dos desafios e oportunidades que o país enfrentará para atingir os compromissos climáticos assumidos no Acordo de Paris.

Segundo a análise, apesar da base relativamente limpa da matriz elétrica brasileira, setores como transporte, agricultura e uso da terra ainda contribuem significativamente para as emissões de gases de efeito estufa. O custo para transformar essa realidade é alto, mas não proibitivo. De acordo com o estudo, o cenário de emissões líquidas zero custaria apenas 8% a mais do que os métodos econômicos mais baratos para o crescimento do país entre 2024 e 2050. Ou seja, economicamente, o caminho sustentável começa a fazer tanto sentido quanto o tradicional.

Além disso, o Brasil vem atraindo investimentos crescentes em energia limpa. Apenas em 2024, foram US$ 37 bilhões destinados à transição energética, com foco em fontes renováveis e eletromobilidade. “Se você está construindo muito mais renováveis, você não está construindo tantos combustíveis fósseis. Uma coisa compensa a outra”, disse Vinicius Nunes, analista da BNEF e um dos autores do relatório, em entrevista à Folha.

A eletrificação do transporte, em especial, é apontada como o maior desafio da agenda de descarbonização. O setor é responsável por mais da metade das emissões energéticas no país. Ainda que o Brasil seja reconhecido por sua longa tradição em biocombustíveis, com destaque para o etanol, a migração para veículos elétricos é inevitável. Em fevereiro deste ano, as vendas de veículos eletrificados cresceram 24% em relação ao mesmo mês de 2024, segundo dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). Os veículos elétricos a bateria (BEV) e híbridos plug-in (PHEV) já representam 80% dessas vendas, e a projeção da BNEF é que, até 2040, 59% dos carros vendidos no país sejam elétricos — mesmo num cenário base, sem estímulos adicionais.

No entanto, para essa revolução ocorrer de fato, o país precisa avançar na infraestrutura de carregamento e criar uma política industrial mais robusta, que favoreça a produção local de baterias e componentes. A ausência de uma cadeia produtiva estruturada pode se tornar um gargalo para a massificação desses veículos. Ainda assim, com a queda do preço das tecnologias e o avanço dos incentivos fiscais em alguns estados, a tendência é que a eletrificação acelere.

Outro ponto fundamental destacado pelo relatório da BloombergNEF é a transformação da matriz elétrica brasileira. A energia hidrelétrica, responsável historicamente por mais de 60% da geração de eletricidade, deve perder protagonismo para as fontes solar e eólica até 2050. E não apenas por motivos ambientais: essas fontes já são, atualmente, as formas mais baratas de produzir eletricidade no Brasil, superando até mesmo o gás natural.

No ano passado, o país atingiu o 6º lugar no ranking global de capacidade instalada de energia solar, segundo dados da Agência Internacional de Energia Renovável. No entanto, a expansão do setor eólico desacelerou: houve uma queda de 31% na instalação de novas usinas em 2024, puxada por um cenário de sobreoferta e crise de demanda. Ainda assim, a perspectiva de retomada é otimista, com expectativa de recuperação a partir de 2027.

A expansão das fontes renováveis esbarra, porém, em um desafio pouco visível ao grande público: a capacidade de transmissão. O sistema elétrico nacional tem sofrido com cortes de geração solar e eólica devido à insuficiência da infraestrutura de escoamento da energia produzida. Especialistas alertam que sem investimentos paralelos na rede de transmissão, muitos projetos renováveis podem se tornar inviáveis economicamente.

Mas a descarbonização da economia brasileira não se limita à eletricidade e ao transporte. O relatório da BNEF aponta que 63% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil vêm da agricultura e da mudança no uso da terra — principalmente o desmatamento da Amazônia. Em 2024, a degradação da floresta amazônica emitiu 161,4 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Isso representa 2,5 vezes mais emissões do que o próprio desmatamento.

A pecuária é um dos principais vetores dessas emissões. De acordo com levantamento da Embrapa, o setor respondeu por 54% das emissões nacionais no ano passado. A adoção de práticas sustentáveis, como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e a recuperação de pastagens degradadas, é considerada fundamental para reduzir esses impactos.


Foto: Gás Verde

Nesse cenário, o biogás e o biometano surgem como alternativas relevantes. Empresas como a Gás Verde, maior produtora de biometano da América Latina, vêm apostando na transformação de resíduos orgânicos em combustível renovável. Em 2025, a empresa lançou um projeto inédito para descarbonizar o setor logístico com caminhões movidos a gás renovável. A nova planta da companhia em Igarassu (PE), prevista para produzir 40 mil m³ por dia de biometano, é um exemplo de como o Brasil pode alinhar economia circular com descarbonização.

Essas iniciativas são estratégicas especialmente em setores de difícil eletrificação, como transporte pesado e aviação. Com a crescente demanda por combustíveis sustentáveis na Europa, o Brasil também se posiciona como um potencial exportador de biocombustíveis avançados.

Mesmo com todos esses avanços, a projeção da BloombergNEF é de que, no melhor cenário, o Brasil contribuiria para um aquecimento global de 1,75°C até 2100 — acima da meta ideal de 1,5°C estabelecida pelo Acordo de Paris. Em um cenário base, com políticas moderadas, o aquecimento pode chegar a 2,6°C. Isso reforça a necessidade de medidas mais ambiciosas, como o fortalecimento de políticas de precificação de carbono, o financiamento de tecnologias de captura e armazenamento de CO₂ e o estímulo à inovação em combustíveis sustentáveis para aviação.

A realização da COP30, em novembro deste ano, na cidade de Belém (PA), coloca o Brasil sob os holofotes internacionais. O país terá a oportunidade de mostrar que está disposto a liderar pelo exemplo. Para isso, será necessário enfrentar de forma integrada os principais gargalos estruturais e promover uma verdadeira transição justa e inclusiva.

O caminho para um Brasil de carbono neutro é longo, desafiador e exige coordenação entre governos, empresas e sociedade. Mas ele é possível. E, mais do que isso, pode ser o caminho mais inteligente — ambiental, social e economicamente.