À medida que o Brasil entra em 2025 com metas mais ambiciosas para descarbonização e regulamentações climáticas em discussão no Congresso, um tema ganha protagonismo nos conselhos de administração e nas salas de diretoria: a necessidade de medir, reportar e reduzir as emissões de gases de efeito estufa em toda a operação corporativa.
O assunto não é novo. Mas a pressão regulatória, financeira e de mercado nunca foi tão grande. E no centro desse debate estão os três escopos de emissões definidos pelo GHG Protocol, o padrão internacional que norteia inventários corporativos no mundo todo e que, no Brasil, é adaptado e traduzido pelo Programa Brasileiro GHG Protocol.
A reportagem ouviu especialistas, acompanhou dados atualizados e analisou movimentos de empresas de setores-chave como agronegócio, varejo e indústria pesada. O retrato que emerge é claro: medir emissões deixou de ser uma iniciativa voluntária e se tornou uma peça estratégica para competitividade e acesso a capital.
Escopo 1: o impacto operacional que não pode mais ser ignorado
As emissões de escopo 1 são aquelas que saem diretamente das atividades sob controle da empresa. Em território nacional, elas se concentram majoritariamente na queima de combustíveis fósseis como diesel, gasolina e gás natural, e nas emissões fugitivas de sistemas de refrigeração, especialmente em supermercados, indústrias alimentícias e centros de distribuição.
Segundo dados consolidados pelo Programa Brasileiro GHG Protocol, a adoção de inventários corporativos cresceu mais de 40% desde 2021. “O que estamos vendo é uma mudança de postura. Empresas compreenderam que medir escopo 1 não é apenas uma questão ambiental, mas uma forma de conhecer a própria eficiência energética”, afirma um pesquisador da FGV que acompanha a evolução metodológica.
Em 2024 e 2025, o avanço de frotas movidas a gás natural, biodiesel e energia elétrica começa a alterar os inventários. Grandes grupos de logística e transporte pressionados por contratos corporativos foram obrigados a revisar rotas, combustíveis e manutenção para reduzir consumo e emissões diretas.
Escopo 2: o peso estratégico da energia elétrica
No Brasil, onde a matriz elétrica permanece predominantemente renovável, o escopo 2 é frequentemente visto como menos relevante. Mas isso está mudando.
O Balanço Energético Nacional 2025 mostra que, apesar da participação significativa de hidrelétricas, variações hidrológicas, térmicas emergenciais e expansão industrial podem afetar emissões associadas à eletricidade adquirida.
Empresas que optam por contratos de energia renovável com certificação (como I-RECs) têm apresentado ganhos reputacionais, além de ampliar transparência para investidores internacionais. “Ao migrar para energia 100% renovável, a empresa não elimina apenas suas emissões de escopo 2; ela estabiliza custos, reduz riscos regulatórios e melhora indicadores ESG”, afirma um consultor ouvido pela reportagem.
Para setores de alto consumo como siderurgia, mineração, agroindústria e data centers, essa transição está se tornando praticamente mandatória para manter competitividade global.
Escopo 3: a fronteira mais complexa da descarbonização
Se escopos 1 e 2 já exigem organização e controle de dados, o escopo 3 amplia o desafio para toda a cadeia de valor. Ele abrange emissões que ocorrem antes, durante e depois da operação da empresa, desde fornecedores de insumos até o descarte final do produto.
É também o escopo que mais interessa aos investidores. Em muitos setores, representa entre 70% e 90% das emissões totais.
Os Guias Setoriais do Programa Brasileiro GHG Protocol publicados entre 2024 e 2025 facilitaram o cálculo para setores como varejo, agronegócio e construção civil, oferecendo metodologias acessíveis inclusive para pequenos fornecedores.
“É impossível falar em transição energética no Brasil sem tratar da cadeia inteira. Para uma grande rede de supermercados, por exemplo, o impacto maior não está em suas lojas, mas em toda a cadeia agrícola, logística refrigerada e descartes pós-consumo”, afirma uma pesquisadora da EPE.
A lacuna de dados ainda é um problema, especialmente entre pequenos fornecedores. Mas empresas líderes já dão sinais de evolução: contratos de fornecimento estão sendo renegociados com exigência de inventários, reduções anuais e metas alinhadas a compromissos climáticos corporativos.
Casos que ilustram a mudança
A reportagem identificou movimentos relevantes em diferentes setores:
Agronegócio
Uma cooperativa do Centro-Oeste mapeou toda a rota logística de grãos e constatou que os caminhões terceirizados representavam mais de 60% das emissões totais. A partir desse diagnóstico, redesenhou contratos e exigiu frotas mais eficientes, reduzindo 18% das emissões do escopo 1 e parte do escopo 3 em apenas dois anos.
Varejo alimentar
Redes de supermercados enfrentam desafios no escopo 1 devido aos gases refrigerantes — altamente poluentes. Uma grande rede nacional anunciou, em 2024, a substituição gradual de sistemas tradicionais por tecnologias de CO₂ transcrítico, reduzindo mais de 30 mil toneladas de CO₂e por ano.
Indústria pesada
Uma metalúrgica que migrou para contratos de energia renovável certificada praticamente zerou seu escopo 2 e obteve condições diferenciadas em uma linha de crédito verde para expansão industrial. A empresa ainda iniciou um programa de engajamento de fornecedores para medir e reduzir emissões no escopo 3.
Reguladores acompanham a transformação
Embora o Brasil ainda não tenha implementado um mercado regulado de carbono em escala nacional, o tema avança no Congresso e nas comissões técnicas do Executivo. Paralelamente, estados como São Paulo, Pará e Rio de Janeiro desenvolvem iniciativas próprias para inventários obrigatórios, especialmente para setores com grande impacto climático.
Para especialistas ouvidos, a tendência é clara: “O inventário de emissões deixará de ser um diferencial competitivo e se tornará um requisito básico para operar. O movimento já começou.”
Por que medir emissões virou um imperativo empresarial
Investidores globais e nacionais citam três razões centrais:
- Acesso a capital
Fundos e bancos já condicionam financiamentos a métricas ESG consistentes. Sem inventário confiável, empresas ficam fora de linhas verdes ou pagam mais caro. - Competitividade internacional
O Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), da União Europeia, exige que exportadores brasileiros conheçam sua pegada de carbono, inclusive escopo 3. - Governança e reputação
Relatórios ESG sem métricas robustas enfrentam questionamento crescente. Transparência virou critério fundamental.
O que esperar dos próximos anos
Com metodologias consolidadas, como as do GHG Protocol, e bases de dados brasileiras cada vez mais robustas, o país está diante de uma nova fase: consolidar inventários como ferramenta estratégica, não apenas ambiental.
O desafio agora não é apenas medir, é integrar os dados ao planejamento econômico, à matriz energética e às decisões de investimento.
Especialistas afirmam que, para o Brasil, a urgência é também uma oportunidade. Com matriz energética renovável, potencial de bioeconomia e expansão rápida de energias limpas, empresas que entendem e reportam suas emissões criam vantagem competitiva real em um mercado global que avança na descarbonização.






