UAE Consensus estabelece metas globais para triplicar renováveis e dobrar eficiência energética até 2030

UAE Consensus estabelece metas globais para triplicar renováveis e dobrar eficiência energética até 2030

Compromisso internacional visa acelerar transição energética e limitar aquecimento global a 1,5°C, mas enfrenta entraves regulatórios, financeiros e tecnológicos

Em um esforço sem precedentes para frear o agravamento das mudanças climáticas, líderes de quase 200 países aprovaram, no fim de 2023, durante a 28ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, o chamado “UAE Consensus”. O acordo estabeleceu dois objetivos centrais para a transição energética global nesta década: triplicar a capacidade instalada de fontes renováveis e dobrar a taxa de eficiência energética até 2030. Agora, em 2025, o pacto firmado nos Emirados Árabes Unidos segue sendo considerado pela Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) e por especialistas como o mais significativo avanço coletivo desde o Acordo de Paris, de 2015. No entanto, o caminho para transformar metas em realidade ainda é marcado por obstáculos financeiros, regulatórios e tecnológicos, que desafiam governos e empresas ao redor do mundo.

Segundo o relatório “The UAE Consensus: 2030 Breakthroughs – Tripling Renewables & Doubling Efficiency”, publicado pela IRENA em outubro de 2024, o mundo precisa saltar de 3.400 GW de capacidade renovável instalada, registrada em 2022, para cerca de 11.000 GW até o fim da década — um aumento de mais de três vezes. Além disso, a taxa anual de melhoria da eficiência energética deve duplicar, passando de cerca de 2% ao ano para 4%, para que o planeta tenha chances reais de limitar o aquecimento global a 1,5°C, meta central do Acordo de Paris.

A secretária-executiva da ONU para o clima, Simon Stiell, declarou que o “UAE Consensus” inaugura “uma nova era industrial”, com potencial para acelerar o declínio dos combustíveis fósseis e inaugurar o protagonismo das energias limpas. “Estamos diante do maior desafio de implementação já acordado entre as nações”, afirmou Stiell, em nota.

Meta distante: ritmo atual está aquém do necessário

Apesar do otimismo político, os dados atuais revelam que o ritmo de expansão das renováveis está longe do exigido pelo pacto. Em 2022, segundo a IRENA, foram adicionados globalmente cerca de 300 GW em novas instalações renováveis, dos quais mais de 80% concentram-se em energia solar e eólica. Para cumprir a meta de 2030, será necessário instalar, em média, quase 1.100 GW por ano — mais que triplicar a velocidade atual.

A distribuição dos investimentos também é desigual. O relatório da IRENA aponta que 85% das novas capacidades de renováveis em 2022 se concentraram em poucos países: China, Estados Unidos, Índia e União Europeia. Regiões como África e América Latina apresentam alto potencial, mas carecem de infraestrutura adequada, acesso a financiamento e estabilidade regulatória para atrair capital privado e internacional.

No âmbito da eficiência energética, a situação é ainda mais crítica. De acordo com o relatório, a taxa global de melhoria da eficiência energética ficou estagnada abaixo de 2% ao ano desde 2018, sobretudo devido ao aumento do consumo de energia em setores de difícil descarbonização, como transporte e indústria pesada. “Há um gap significativo entre o que é necessário e o que está sendo realizado”, diz Francesco La Camera, diretor-geral da IRENA.

Barreiras e gargalos: políticas, financiamento e tecnologia

O cumprimento das metas do UAE Consensus depende de avanços em quatro frentes principais: políticas públicas, investimentos, infraestrutura e qualificação da força de trabalho.

No campo regulatório, especialistas apontam que muitos países ainda mantêm subsídios bilionários para combustíveis fósseis. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), subsídios explícitos e implícitos a petróleo, gás e carvão atingiram US$ 7 trilhões em 2022, valor quatro vezes superior ao total investido globalmente em energias renováveis. A IRENA recomenda a revisão dessas políticas, a criação de mercados de carbono mais robustos e a adoção de mecanismos como leilões de energia, contratos de compra de longo prazo (PPAs) e metas obrigatórias para fontes limpas.

No aspecto financeiro, o desafio é mobilizar recursos em escala sem precedentes. O relatório da agência calcula que serão necessários ao menos US$ 1,3 trilhão por ano em investimentos em renováveis até 2030 — atualmente, o volume anual é de cerca de US$ 500 bilhões. Países em desenvolvimento enfrentam custos de financiamento mais altos devido a riscos cambiais, falta de garantias e menor rating de crédito soberano. Organismos multilaterais e bancos de desenvolvimento vêm sendo pressionados a criar instrumentos de mitigação de risco e a oferecer crédito mais acessível para projetos em mercados emergentes.

Na infraestrutura, os entraves vão desde a modernização de redes de transmissão e distribuição — consideradas um gargalo para a integração de fontes variáveis como solar e eólica — até a dependência de cadeias globais para minerais críticos (como lítio, cobre e terras raras), fundamentais para baterias, turbinas e painéis solares. A recente crise dos semicondutores e a concentração de fornecedores em poucos países têm elevado custos e atrasado projetos.

Em relação ao capital humano, a transição para uma economia de baixo carbono exigirá a formação de milhões de trabalhadores em novas competências, como operação de sistemas digitais, manutenção de equipamentos renováveis e gestão de projetos complexos. O relatório prevê que o setor de renováveis pode gerar até 40 milhões de empregos diretos e indiretos até 2030, desde que haja políticas para capacitação e inclusão de mulheres e minorias.

Riscos de justiça climática e novas dependências

Analistas e ONGs alertam para riscos de agravamento das desigualdades globais, caso não haja transferência efetiva de recursos, tecnologia e conhecimento para países menos desenvolvidos. O pacto firmado na COP28 prevê mecanismos de apoio financeiro e técnico, mas, segundo avaliação da Oxfam e do Greenpeace, compromissos semelhantes feitos em cúpulas anteriores foram parcialmente ou totalmente descumpridos.

Outro ponto de preocupação é a “nova dependência” de minerais estratégicos e equipamentos concentrados em poucas regiões. China, Chile, República Democrática do Congo e Austrália dominam a produção de insumos essenciais para a transição energética. “A vulnerabilidade das cadeias globais de suprimentos pode representar um novo tipo de risco geopolítico”, avalia o relatório da IRENA.

Investimentos necessários para triplicar a capacidade de energia renovável e dobrar a eficiência energética até 2030, comparados com o progresso de 2023


Fonte/Imagem: IRENA

Lideranças, oportunidades e casos emblemáticos

A China desponta como principal motor da expansão renovável, responsável por cerca de metade dos investimentos globais em 2022. A Índia acelera projetos solares em larga escala, enquanto a União Europeia investe na integração regional de redes elétricas e na produção de hidrogênio verde. Nos Estados Unidos, a aprovação do Inflation Reduction Act injetou mais de US$ 370 bilhões em incentivos fiscais para energias limpas.

Na América Latina, o Brasil destaca-se como maior produtor de energia renovável da região, com 87% de sua matriz elétrica proveniente de fontes limpas, sobretudo hidrelétrica, mas enfrenta desafios para ampliar a participação de solar e eólica. Já a África Subsaariana, apesar de vasto potencial solar, concentra menos de 2% dos investimentos globais em renováveis, segundo a BloombergNEF.

Próximos passos: pressão por resultados e monitoramento

Para especialistas do setor e negociadores do clima, o UAE Consensus representa uma guinada histórica, mas sua credibilidade depende da capacidade dos países em transformar metas em ações concretas, com transparência e mecanismos de acompanhamento. “As promessas precisam ser traduzidas em políticas nacionais, marcos regulatórios e fluxos de investimento”, afirma Rachel Kyte, ex-diretora do Sustainable Energy for All da ONU.

O próximo ciclo de revisões de metas nacionais, previsto para 2025, deve servir de termômetro para medir o avanço real do pacto. Organizações da sociedade civil e entidades multilaterais prometem monitorar de perto os desdobramentos do acordo firmado em Dubai.