As mudanças climáticas representam um dos maiores desafios do século XXI, exigindo soluções inovadoras para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Entre as tecnologias emergentes, a Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono (BECCS) se destaca como uma abordagem promissora, combinando a produção de energia renovável com a remoção de dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera. Essa tecnologia pode não apenas neutralizar emissões, mas também resultar em emissões negativas, tornando-se um aliado essencial na luta contra o aquecimento global.
Com novas políticas em desenvolvimento e um setor de bioenergia consolidado, o Brasil pode se tornar líder mundial na implementação de Bio-CCS, utilizando sua robusta indústria de etanol e biocombustíveis para capturar e armazenar carbono.
O que é BECCS e Como Funciona?
A Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono (BECCS) é uma tecnologia que combina a geração de bioenergia a partir de biomassa com processos de captura e armazenamento de carbono. A biomassa, que inclui resíduos agrícolas, florestais e cultivos energéticos, absorve CO₂ da atmosfera durante seu crescimento por meio da fotossíntese. Quando essa biomassa é convertida em energia — seja por combustão, fermentação ou gaseificação — o CO₂ gerado pode ser capturado antes de ser emitido e armazenado em reservatórios subterrâneos profundos, como formações geológicas salinas ou campos de petróleo esgotados.
Esse processo cria um ciclo fechado de carbono, no qual mais CO₂ é removido da atmosfera do que emitido, tornando o BECCS uma tecnologia essencial para atingir emissões líquidas negativas.
Importância do BECCS na Mitigação Climática
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estima que, para limitar o aumento da temperatura global a menos de 1,5ºC, será necessário remover entre 5 e 10 gigatoneladas de CO₂ por ano até 2050. O BECCS é uma das poucas tecnologias capazes de atingir essa meta.
Segundo o relatório da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), o Brasil tem potencial para capturar 23 milhões de toneladas de CO₂ por ano apenas com as usinas de etanol, volume comparável às emissões totais de alguns setores industriais.
A Agência Internacional de Energia (IEA) projeta que o BECCS pode capturar aproximadamente 1,3 gigatonelada de CO₂ por ano até 2050, representando cerca de 10% das reduções globais necessárias para alcançar a neutralidade de carbono.
Aplicações Atuais e Projetos de BECCS no Mundo
Atualmente, o BECCS já é utilizado em algumas indústrias, especialmente em plantas de etanol e geração de energia. Alguns exemplos incluem:
- Projeto Illinois Industrial Carbon Capture and Storage (IL-CCS), EUA: Captura mais de 1 milhão de toneladas de CO₂ por ano de uma planta de etanol e armazena em formações geológicas profundas.
- Drax Power Station, Reino Unido: Planta de biomassa que já está implementando BECCS, com a meta de capturar 8 milhões de toneladas de CO₂ por ano até 2030.
- Projeto da FS em Lucas do Rio Verde (MT), Brasil: Pretende capturar e estocar 423 mil toneladas de CO₂ por ano, tornando o etanol produzido potencialmente carbono negativo.
Bio-CCS no Brasil e as Políticas de Incentivo
Atualmente, o Brasil ainda não tem um arcabouço regulatório consolidado para Bio-CCS, mas algumas iniciativas estão em andamento:
- O Programa Combustível do Futuro prevê bônus de até 20% na nota de eficiência ambiental dos biocombustíveis que adotam Bio-CCS.
- O RenovaBio, principal política de incentivo a biocombustíveis no Brasil, pode incluir o Bio-CCS na certificação de eficiência energética.
- Para garantir que as emissões sejam de fato negativas, é essencial aprimorar a metodologia de contabilização do ciclo de carbono.
O relatório da EPE recomenda a criação de hubs regionais de captura e armazenamento de carbono, compartilhando infraestrutura para reduzir custos e viabilizar o Bio-CCS em larga escala.
O que fazer com o CO₂ capturado?
Após a captura, o CO₂ pode ser armazenado de forma segura ou utilizado em diversas aplicações industriais, gerando novas oportunidades econômicas. As principais opções incluem:
1. Armazenamento Geológico Permanente
O CO₂ pode ser injetado em formações geológicas profundas, garantindo que não seja liberado na atmosfera. Essa é a abordagem mais eficaz para garantir emissões negativas.
2. Recuperação Avançada de Petróleo (EOR – Enhanced Oil Recovery)
O CO₂ pode ser usado para extrair petróleo de campos esgotados, reduzindo a necessidade de novas perfurações.
3. Produção de Combustíveis Sintéticos (E-Fuels)
Combinado com hidrogênio verde, o CO₂ pode ser convertido em combustíveis sintéticos, como metanol e querosene sustentável para aviação.
4. Produção de Plásticos Sustentáveis
O CO₂ pode ser utilizado na fabricação de polímeros biodegradáveis, reduzindo a dependência de derivados de petróleo.
5. Concreto Sustentável
Algumas tecnologias permitem a injeção de CO₂ no concreto, tornando-o mais resistente e armazenando carbono de forma permanente.
6. Indústria de Bebidas
O CO₂ capturado pode ser purificado e utilizado na carbonatação de refrigerantes, águas gaseificadas e cervejas. Empresas já adotam essa prática para reduzir sua pegada de carbono.
Desafios para a Expansão do BECCS no Brasil
Apesar do grande potencial, a implementação do BECCS ainda enfrenta desafios:
- Custos Elevados: A captura e armazenamento de CO₂ ainda possuem custos elevados, variando entre US$ 60 a US$ 250 por tonelada de CO₂ capturado.
- Infraestrutura: A criação de dutos e locais de armazenamento geológico requer investimentos significativos.
- Regulação e Políticas de Incentivo: A inclusão do Bio-CCS no mercado de carbono pode ser essencial para viabilizar financeiramente essa tecnologia.
O Futuro do BECCS e a Economia de Baixo Carbono
O BECCS surge como uma das principais soluções para atingir emissões líquidas negativas e combater as mudanças climáticas de maneira eficaz. Além de seu impacto ambiental positivo, a tecnologia também abre novas oportunidades para uma economia de baixo carbono, com aplicações industriais que podem transformar o CO₂ capturado em produtos valiosos.
O Brasil, com sua forte indústria de bioenergia, tem um enorme potencial para se tornar um dos principais players globais em Bio-CCS. Para isso, será essencial um esforço conjunto entre setor privado, governo e centros de pesquisa para desenvolver infraestrutura, reduzir custos e criar políticas de incentivo.
Se bem planejado, o BECCS pode ser mais do que uma solução climática — pode ser uma alavanca para uma nova economia sustentável baseada na inovação tecnológica.